Responsáveis pela maior segmento do fornecimento de chuva e esgotamento sanitário urbano no país, as empresas estaduais de saneamento não estão conseguindo financiamentos em bancos públicos no volume necessário para novos investimentos.
Isso deve atrasar a meta de universalização desses serviços, prevista para daqui a oito anos, em 2033, regra do Novo Marco do Saneamento Indispensável, de 2020.
Para contornar a falta de verba a juros baixos, empresas estaduais têm recorrido à emissão de debêntures ou a financiamentos em bancos privados, pagando taxas mais elevadas que as cobradas por bancos públicos. No final, o consumidor é quem vai remunerar esta conta, em tarifas mais altas. Mesmo assim, os investimentos têm sido insuficientes.
Embora a iniciativa privada tenha feito grandes avanços no setor de saneamento desde 2020, por meio de privatizações (porquê a da Sabesp, no ano pretérito), concessões e parcerias público-privadas (PPPs), as empresas estaduais ainda respondem por 87,6% do fornecimento de chuva urbano no país (em 3.301 municípios) e 67,1% do esgotamento (1.213).
“Há enormes dificuldades para atingirmos a meta da universalização em 2033”, afirma Neuri Freitas, presidente da Aesbe (Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento) e da Cagece (Companhia de Chuva e Esgoto do Ceará).Hoje, há R$ 11,1 bilhões em financiamentos com recursos do FGTS (administrados por bancos oficiais) à espera de aprovação.
Segundo Freitas, instituições porquê a CEF (Caixa Econômica Federalista), o BNDES (Banco Vernáculo de Desenvolvimento Econômico e Social) e o BNB (Banco do Nordeste) têm demorado dois anos para determinar pedidos de financiamento e demandado garantias desproporcionais ao risco das operações. Os bancos afirmam que têm se devotado à superfície.
O setor de saneamento calcula serem necessários R$ 900 bilhões em investimentos, a partir do novo marco do saneamento, para que 99% da população tenha chuva tratada em 2033 e 90%, coleta de esgoto. Entre 2022 e 2024, no entanto, as oito maiores empresas estaduais (incluindo a Sabesp, agora privada) investiram somente R$ 44,5 bilhões.
Ao recorrer ao mercado privado detrás de financiamentos, as estatais acabam empurrando a conta para os consumidores, em tarifas mais altas para amortizar os investimentos
Segundo Freitas, créditos de bancos oficiais cobram inflação (IPCA) mais 3,5% a 4% ao ano, pois são financiados com verba do FGTS (remunerado aquém das taxas de mercado). Mas quando emitem papéis (debêntures) para levantar capital, as estaduais pagam IPCA mais 7% ou 8% ao ano em juros, em prazos de 15 anos –na presença de até 30 anos para recursos do FGTS.
Mesmo quando conseguem financiamento público, algumas estatais têm de contatar fiança bancária, o que encarece em mais 3 pontos percentuais os juros, além dos 3,5% do FGTS.
Muitos estados têm um péssimo histórico de endividamento e comprometimento proeminente de receitas com despesas fixas, porquê pessoal e aposentadorias, que limitam a capacidade de remunerar dívidas e mesmo custeio o da máquina. Freitas afirma, no entanto, que isto não justifica a morosidade e travamento de operações para empresas que têm receitas garantidas por meio de tarifas.
Um efeito paralelo considerado positivo pelos que defendem maior participação privada no setor é que a dificuldade na obtenção de verba pelas companhias estaduais as levem a procurar outras formas de satisfazer as metas para 2033 –porquê PPPs, concessões e mesmo privatizações. Isso vem acontecendo.
Quase 30% (1.648) dos municípios do país já estão hoje sob atuação privada. Só para 2025, há 26 projetos previstos, com R$ 69 bilhões em investimentos. Desde a aprovação do marco, em 2020, foram mais de 57 leilões, que redundaram em R$ 161 bilhões de investimentos, segundo a Abcon-Sindcon (Associação e Sindicato Vernáculo das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Chuva e Esgoto).
Apesar das quantias, a diretora-executiva da Abcon-Sindcon, Christianne Dias Ferreira, afirma que elas “não têm ocorrido no volume esperado para universalizar” a cobertura em 2033. “Há uma revolução no setor, e a participação privada aumentou 500%. Mas a meta é ambiciosa, um grande repto”, afirma.
Ferreira considera que o governo Lula tem sido eficiente nas modelagens para concessões e PPPs, e que elas têm ocorrido em velocidade cada vez maior. Ela lembra que as empresas estaduais, assim porquê as demais no setor, tiveram que justificar capacidade financeira para investimentos na aprovação do marco do saneamento. “Quem comprovou, agora tem que entregar”, afirma.
O governo Lula chegou a resistir nesse ponto, mas teve de ceder ao Congresso, pois sua intenção inicial era relaxar as regras para que as empresas estaduais comprovassem capacidade econômico-financeira para assinar contratos.
Para Luana Pretto, presidente do Instituto Trata Brasil, formado por empresas com interesses na superfície, há verba no mercado para o setor e alguns estados, sobretudo por meio de concessões e PPPs, estão “a todo vapor”.
“É procedente que os bancos avaliem as metas das empresas que tomam financiamentos e os riscos que vão assumir. Quanto mais inadimplente o estado, maior o risco. No final, nestes casos, para que haja investimentos, a população é que vai ter de remunerar na ponta”, afirma.
O BNB diz que vem “ampliando significativamente” sua atuação no saneamento e que o volume contratado foi quase dez vezes o registrado em quatro anos anteriores. “Em 2023 e 2024, as contratações superaram R$ 4,3 bilhões. De 2019 a 2022, foram aquém de R$ 40 milhões.”
O BNDES afirma que não há restrições para projetos que “cumpram os requisitos técnicos e legais exigidos”. Segundo o banco, a carteira atual de crédito em saneamento é composta por aproximadamente 44% de contratos com o setor público, incluindo as estaduais.
“Em 2023, o BNDES voltou a operar com essas companhias e, desde logo, aprovou três projetos, totalizando R$ 650 milhões”. O banco afirma que realiza estruturação de projetos de licença no Rio, Alagoas, Amapá, Ceará, Sergipe e Pará –que preveem mais de R$ 80 bilhões em investimento para universalização.
A CEF diz que desembolsou R$ 270 milhões em 2023 para o segmento de saneamento e, em 2024, R$ 1 bilhão, sendo a maior segmento para companhias estaduais. O banco teria ainda operações contratadas de R$ 16,9 bilhões, tendo sido desembolsado 57% desse valor até março de 2025, o que equivale a R$ 9,6 bilhões.
A ANA (Dependência Vernáculo de Águas e Saneamento Indispensável), afirma que tem a expectativa de que as metas de 2033 sejam atingidas.